sábado, 24 de março de 2018


 

Uma peculiar interioridade

Tenho reflectido por escrito sobre algumas questões de cariz universal, na medida em que trespassam tempos e espaços da existência independentemente do destinatário. Hoje proponho-me encarnar aquela face que para muitos mais caracteriza a natureza humana, ou pelo menos exige continuado esforço para lhe moderar os efeitos: o egoísmo. Ainda assim, faço-o na qualidade de dirigente associativo e em representação da comunidade em que o indivíduo que eu sou mergulha as suas raízes: o Meimão.

O Meimão (250 habitantes) é talvez um dos mais extremados exemplos da interioridade do País. Das freguesias do concelho, é a mais distante da sede, em Penamacor, já de si enfermo da mesma moléstia; orograficamente é um calvário, que restringe dramaticamente os movimentos e o convívio numa comunidade envelhecida; há um autocarro de ligação a Penamacor para transporte dos estudantes, que pode ser utilizado pela população, e um serviço de táxi, cujo condutor reside fora da freguesia; há uma secção de Bombeiros às ordens do Corpo de Bombeiros de Penamacor, e a presença de médico  uma vez por semana e de enfermeiro três vezes; não há espaços arquitectónicos que apelem ao convívio, ao entretenimento ou a outras actividades permanentes de animação comunitária;  a adesão às valências de apoio social (Centro de Dia e Apoio Domiciliário, geridas pelo Lar Dª Bárbara Tavares da Silva, em Penamacor) é mínima pelo facto de a qualidade dos serviços prestados  reflectir estas limitações, cujo maior exemplo é o de as refeições serem servidas depois de um longo transporte, a partir de Penamacor; não existem condições básicas de desenvolvimento económico, e à própria economia de subsistência vão faltando as forças destas gentes.

E, no entanto...este mesmo Meimão é, como poucos, uma fonte de riqueza para o País. Riqueza para os outros, pesadelo para nós. Nos seus limites, e à custa do abastardamento de uma paisagem paradisíaca que nos coube em sorte, foram implantadas essas fantasmagóricas torres eólicas ditas, que nos cercam, como num circo as grades cercam os animais. A nata dos seus terrenos foi ocupada pela albufeira, não da “Barragem do Meimão”, como seria de justiça, mas da “Barragem da Ribeira da Meimoa”, designação reveladora da insensibilidade e ingratidão que tantas vezes caracteriza os nossos decisores políticos. Ao lado, foi construída a Barragem do Sabugal. Tanta barragem, tanta água, fizeram de nós os Tântalos da actualidade: no verão, secam-se-nos os terrenos remanescentes, porque não nos chega uma gota da tanta água que nos cerca. Uma mini-hídrica, instalada em pleno Aliso, referência mítica entre os sítios do Meimão, injecta a energia produzida na rede pública de electricidade... e nós a vê-la passar.  A RNSM (Reserva Natural da Serra da Malcata) ocupa parte dos nossos terrenos, condicionando aos proprietários a sua utilização.

Com o propósito de reverter tantas desvantagens, tantos desequilíbrios, tantas assimetrias, enfim, com a vontade de fazer das fraquezas forças, constituiu-se a Xara-Associação de Solidariedade Social e Desenvolvimento Local de Meimão, com tríplice objectivo: social, económico e cultural. Os estatutos elegeram como principal o objectivo social, assim literalmente expresso: “criar e manter em funcionamento um lar para a terceira idade na freguesia de Meimão”, tendo sido nessa base que a associação foi reconhecida como IPSS.
Mãos à obra, e aí temos o nosso lar, neste momento limitado à estrutura de betão e...parado! É que tudo o que está feito se deve aos contributos de particulares, sobretudo das gentes do Meimão.

 Arrancámos, há cinco anos, para esta aventura de contribuirmos para um interior mais feliz no pressuposto de que, à semelhança de tantos outros projectos similares, pudesse o nosso contar com os apoios dos programas sociais da Comunidade Europeia e o empenhamento institucional do poder político. Não! Nem de uns, por se revelarem suspensos, nem de outro, por  insondáveis razões de incoerência, lográmos, até ao momento, qualquer atenção.



Nos nossos desígnios consideramos a comunidade como um todo, que pode beneficiar e enriquecer-se com as interdependências e interacções dos seus membros. Um lar no Meimão, com todas as valências sociais que podem orbitar na sua proximidade, não vale só por si, mas pelo entusiasmo e dinâmicas que irrompem da realização de objectivos tão bem definidos quanto o nosso. Significa movimento, fixação de pessoas, promoção de actividades. E nisto se constitui também como desígnio nacional: luta contra a desertificação do interior , propondo-se como acção de efeitos  a todos os prazos e em todos os domínios, com equilíbrios urbano-rural e litoral-interior como garantia de saúde social e económica em ambos os po
los e instalação de agentes interactivos com a consequente criação de condições de qualidade de vida e fixação de habitantes.

Parece isto um lamento, mas não é, é um grito.
Este nosso grito há-de chegar aos


confins do Universo. Havemos de com ele saturar as redes sociais, fazê-lo chegar a cada um dos Portugueses espalhados pelos quatro cantos do mundo e a todas as pessoas de boa vontade, até ao dia em que um dos nossos responsáveis políticos tropece nas nossas angústias e, num assomo de coerência, nos diga, em representação de quantos só em tempos de calamidade têm reconhecido a gravidade da situação nas populações do interior e o abandono a que têm sido votadas: “Sim, basta de palavras de ocasião. Os efeitos adversos da interioridade combatem-se com factos e obra. Vamos a isso, Meimão!”
A Xara-ASSDLM tem a sua sede na Rua da Escola, nº6, 6320-192 Meimão, e o endereço electrónico correio.xara@gmail.com


Meimão, 15 de Março de 2018
Manuel Neto

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