Uma peculiar interioridade
Tenho reflectido por escrito sobre algumas questões de
cariz universal, na medida em que trespassam tempos e espaços da existência
independentemente do destinatário. Hoje proponho-me encarnar aquela face que
para muitos mais caracteriza a natureza humana, ou pelo menos exige continuado
esforço para lhe moderar os efeitos: o egoísmo. Ainda assim, faço-o na
qualidade de dirigente associativo e em representação da comunidade em que o
indivíduo que eu sou mergulha as suas raízes: o Meimão.
O Meimão (250 habitantes) é talvez um dos mais extremados
exemplos da interioridade do País. Das freguesias do concelho, é a mais
distante da sede, em Penamacor, já de si enfermo da mesma moléstia;
orograficamente é um calvário, que restringe dramaticamente os movimentos e o
convívio numa comunidade envelhecida; há um autocarro de ligação a Penamacor
para transporte dos estudantes, que pode ser utilizado pela população, e um
serviço de táxi, cujo condutor reside fora da freguesia; há uma secção de
Bombeiros às ordens do Corpo de Bombeiros de Penamacor, e a presença de
médico uma vez por semana e de
enfermeiro três vezes; não há espaços arquitectónicos que apelem ao convívio,
ao entretenimento ou a outras actividades permanentes de animação comunitária; a adesão às valências de apoio social (Centro
de Dia e Apoio Domiciliário, geridas pelo Lar Dª Bárbara Tavares da Silva, em
Penamacor) é mínima pelo facto de a qualidade dos serviços prestados reflectir estas limitações, cujo maior
exemplo é o de as refeições serem servidas depois de um longo transporte, a
partir de Penamacor; não existem condições básicas de desenvolvimento económico,
e à própria economia de subsistência vão faltando as forças destas gentes.
E, no entanto...este mesmo Meimão é, como poucos, uma
fonte de riqueza para o País. Riqueza para os outros, pesadelo para nós. Nos
seus limites, e à custa do abastardamento de uma paisagem paradisíaca que nos
coube em sorte, foram implantadas essas fantasmagóricas torres eólicas ditas,
que nos cercam, como num circo as grades cercam os animais. A nata dos seus
terrenos foi ocupada pela albufeira, não da “Barragem do Meimão”, como seria de
justiça, mas da “Barragem da Ribeira da Meimoa”, designação reveladora da
insensibilidade e ingratidão que tantas vezes caracteriza os nossos decisores
políticos. Ao lado, foi construída a Barragem do Sabugal. Tanta barragem, tanta
água, fizeram de nós os Tântalos da actualidade: no verão, secam-se-nos os terrenos
remanescentes, porque não nos chega uma gota da tanta água que nos cerca. Uma
mini-hídrica, instalada em pleno Aliso, referência mítica entre os sítios do
Meimão, injecta a energia produzida na rede pública de electricidade... e nós a
vê-la passar. A RNSM (Reserva Natural da
Serra da Malcata) ocupa parte dos nossos terrenos, condicionando aos
proprietários a sua utilização.
Com o propósito de reverter tantas desvantagens, tantos
desequilíbrios, tantas assimetrias, enfim, com a vontade de fazer das fraquezas
forças, constituiu-se a Xara-Associação
de Solidariedade Social e Desenvolvimento Local de Meimão, com tríplice
objectivo: social, económico e cultural. Os estatutos elegeram como principal o
objectivo social, assim literalmente expresso: “criar e manter em funcionamento
um lar para a terceira idade na freguesia de Meimão”, tendo sido nessa base que
a associação foi reconhecida como IPSS.
Mãos à obra, e aí temos o nosso lar, neste momento
limitado à estrutura de betão e...parado! É que tudo o que está feito se deve
aos contributos de particulares, sobretudo das gentes do Meimão.
Arrancámos, há
cinco anos, para esta aventura de contribuirmos para um interior mais feliz no
pressuposto de que, à semelhança de tantos outros projectos similares, pudesse
o nosso contar com os apoios dos programas sociais da Comunidade Europeia e o
empenhamento institucional do poder político. Não! Nem de uns, por se revelarem
suspensos, nem de outro, por insondáveis
razões de incoerência, lográmos, até ao momento, qualquer atenção.
Nos nossos desígnios consideramos a comunidade como um
todo, que pode beneficiar e enriquecer-se com as interdependências e
interacções dos seus membros. Um lar no Meimão, com todas as valências sociais
que podem orbitar na sua proximidade, não vale só por si, mas pelo entusiasmo e
dinâmicas que irrompem da realização de objectivos tão bem definidos quanto o
nosso. Significa movimento, fixação de pessoas, promoção de actividades. E
nisto se constitui também como desígnio nacional: luta contra a desertificação
do interior , propondo-se como acção de efeitos
a todos os prazos e em todos os domínios, com equilíbrios urbano-rural e
litoral-interior como garantia de saúde social e económica em ambos os po
los e
instalação de agentes interactivos com a consequente criação de condições de
qualidade de vida e fixação de habitantes.
Parece isto um lamento, mas não é, é um grito.
confins do Universo.
Havemos de com ele saturar as redes sociais, fazê-lo chegar a cada um dos
Portugueses espalhados pelos quatro cantos do mundo e a todas as pessoas de boa
vontade, até ao dia em que um dos nossos responsáveis políticos tropece nas
nossas angústias e, num assomo de coerência, nos diga, em representação de
quantos só em tempos de calamidade têm reconhecido a gravidade da situação nas
populações do interior e o abandono a que têm sido votadas: “Sim, basta de
palavras de ocasião. Os efeitos adversos da interioridade combatem-se com
factos e obra. Vamos a isso, Meimão!”
A Xara-ASSDLM
tem a sua sede na Rua da Escola, nº6, 6320-192 Meimão, e o endereço electrónico
correio.xara@gmail.com
Meimão,
15 de Março de 2018
Manuel
Neto
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