Embora já de Junho passado acho adequado à época que se avizinha
"Se a felicidade
Sim, haverá ricos felizes, mas não à custa exclusiva dos
bens possuídos...
Sim, haverá monges felizes, mas não à exclusiva custa das
vivências espirituais...
Sim, haverá belos físicos felizes, mas não à custa exclusiva
da beleza física...
Sim, há pessoas saudáveis que são felizes, mas não à
exclusiva custa da excelência da sua saúde...
Sim, há amorosos felizes, mas não exclusivamente porque se
amam...
Sim, haverá felizes profissionais de êxito, mas não à
exclusiva custa do êxito alcançado.
Sim, haverá felizes génios artísticos, mas não
exclusivamente à custa da genialidade artística...
Sei que não é um estado permanente, pois que a permanência
de qualquer estado é a rotina, e a rotina é cansaço e morte. Tenho para mim que
até os bem-aventurados, sobretudo os mais antigos, que entraram no Paraíso
seduzidos pela felicidade eterna, se sintam já torturados pelo desejo de um
estagiozinho de labaredas no Inferno, como de pão para a boca. Assim, a
felicidade só pode ser feita de momentos, mais ou menos prolongados, dependendo
isso de cada um e das circunstâncias. E há momentos desses na saúde e na
doença, na carência e na abundância, na guerra e na paz, na virtude e, até, no
pecado.
Há duas máximas que talvez nos ajudem a uma aproximação ao
conceito e, essas, são bem antigas, sinal de que, no conceito, pouco mudou ao
longo dos tempos: uma, carpe diem, expressão latina extraída da Ode 11
do Livro I das Odes de Horácio, que podemos traduzir por aproveita o momento
(já que – diz o poeta a completar
o verso – o futuro é incerto); outra, age quod agis, que
traduzimos por faz, de consciência plena, o que estás a fazer.
Tantas coisas belas, harmoniosas, simples, nos passam
despercebidas aos sentidos ao longo das 24 horas do dia, só porque, ensombrada
a mente pelos automatismos da rotina, pela memória de frustrações passadas e
pela incerteza do que há-de vir, não damos por elas, e muito menos da sua
capacidade de nos equilibrarem na balança dos sentimentos.
Sei também que a felicidade não condiz com a obtenção dos
desideratos a que nos propomos - quer sejam eles do âmbito do ter, quer
do ser – sem que passem pelo crivo da dor ou da superação de obstáculos:
o que se obtém sem dificuldade ou esforço, sejam estes entraves de que nível
forem, não produz satisfação, e sem satisfação não há felicidade.
Parece-me ainda estar nas nossas mãos potenciar em
intensidade e duração os momentos de felicidade, se curarmos em pautar sempre
as nossas acções pelos critérios da ética – presentes na simplicidade do
aforismo “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”.
Parede,
30 de Junho de 2022
Manuel Neto"