DISCURSO PROFERIDO NO 18.º ENCONTRO (20.º ALMOÇO) DOS OFICIAIS DO
QPv.DO BATALHÃO N.º 2 DA FISCAL, EM ÉVORA-CASA DO POVO DE CANAVIAIS
A 17MAR2018
Aprendi a escrever era ainda miúdo, aí por
volta dos meus sete anos de idade. As primeiras letras que procurei desenhar com
um lápis no caderno ou, com o ponteiro na lousa, foi trabalho árduo, tarefa
pesada para criança tão pequena, um esforço tremendo com a mão emperrada que a
custo se movia e, se movia, era graças à ajuda de minha mãe que com a sua mão apoiada
na minha, a fazia deslizar consoante a letra a moldar. Quando já convencido de
ser capaz e me punha no papel a rabiscar o 0 que é tão fácil de fazer, mais me
parecia um girino a brincar no charco com lodo de água estagnada e, o i que até
criança de menor idade, hoje, o faz na perfeição, mais se assemelhava a um
pirilau empinado, com pinta e sem cabeça. Desse tempo da escrita torta e
enviesada, lembro bem como admirado, pasmado ficava com as letras da professora
que estampava no quadro negro a servir de modelo, traçadas a preceito, tão
redondinhas e tão explícitas, tão certinhas e tão perfeitas! Mais recente,
quando os médicos possuíam a liberdade de prescrever a medicação em receita por
si gatafunhada vendo-a aflorava-me à mente, tantos anos depois, o traço rigoroso
daquelas letras traçadas no quadro da sala de aula comparando-as com os
hieróglifos traçados no papel da receita e cismava como era possível o pessoal da
farmácia descodificar a mensagem cifrada, sem que trocassem alhos por bugalhos,
se é que alguma vez tal não tivesse acontecido. Com certeza, foi por isso, que
alguém tendo-o percebido, impôs receituário a letra de computador! Na minha
meninice já se dizia que "Deus escrevia direito por linhas tortas"!
Eu, não. Escrevia torto por linhas direitas. Usando cadernos com as duas linhas
paralelas à distância de 3 milímetros que se intervalam quase de centímetro a
centímetro ao longo de toda a folha, via-me atarantado para ali meter as minúsculas
sem que uma ou outra letra extravasasse os limites impostos. Bem vistas as
coisas, mais de metade das 23 letras do nosso alfabeto são esguias e altaneiras
com permissão forçada de ultrapassar tão limitado espaço que é, afinal, só
reservado à minoria. Claro que nessa altura, ainda se não escrevia o k, o w e o
y, letras que não sendo merecedoras de se incluírem no abecedário oficial, eram
utilizadas, todavia, às escondidas, de uso disfarçado como quem teme por
vergonha expô-las a público. O K para símbolo do quilograma com o g; o W
para o nome de um colega meu chamado Walter, assim mesmo registado e o Y
a que lhe chamavam também i grego, para Yvone uma moça de seios grandes,
nascida no Brasil, filha de pais Portugueses que emigraram e, que, de vez em
quando vinham de férias para a aldeia e a quem lhe chamavam "os
brasileiros" que logo se reconheciam pelo pai dela andar sempre vestido de
branco, fosse inverno ou Verão. Enfim... à custa de muitas cópias e ditados, de
zangas e palmatoadas, senti que já era capaz de ler e de escrever. No liceu já,
quando um dia a professora de Português, ao começar a aula mandou, de surpresa
fazer uma redação sob tema que enunciou: - "Faça o seu auto retrato” -.
Pensei e logo concluí que ter de abordar ser alto ou baixo, gordo ou magro,
bonito ou feio, jeitosinho ou mal-azado, era matéria que a elas compete julgar
e não a mim a ter de o dizer. Assim, resolvi contornar o tema, optando por
divagar, fantasiando ao sabor dos sonhos meus como era tanto do meu agrado.
Quando se entregaram os trabalhos, a "sotôra” chamou-me ao estrado, impôs
que me voltasse de frente para a turma e, em voz alta, ato contínuo, pôs-se a
ler a minha redação que no final me disse não concordar pela distorção que ao
título cometi mas... bem sei que ela gostou. Ao sairmos da aula, alguns dos
meus colegas, incrédulos ainda, perguntavam-me desconfiados se fôra eu a
escrever aquilo. Que satisfação a minha e que vaidoso fiquei! Inchado de tanto
orgulho foi sentir-me bonito o bastante para meu auto retrato. Depois, no 6.º.
Ano, a matrícula só poderia ser por opção, Letras ou Ciências e eu claro, face
às circunstâncias, escolhi, como não poderia deixar de... Ciências! Letras? Só
na sopa e na canja de preferência! Mais tarde, quando já no Porto frequentava a
faculdade de Ciências, passava mais tempo no Café Diu que na residência onde
habitava. Não havia dia que passasse sem ir ao Café. Então, sentado numa mesa,
ou com colegas, estudávamos ou fazíamos por isso. Eu escrevia, escrevia muito e
muito gostava de escrever. Escrevia longas cartas de amor, cartas de amor
inspiradas mas, de amor falseado já que o não possuía em quantidade para o dar
a tantas que escrevia, deixadas ao acaso e em suspenso pelos vários sítios por
onde andara. A meio da escrita entrava no Café outro frequentador assíduo, advogado,
professor, estudioso do folclore português, poeta conhecido já, com versos que a
Amália haveria de cantar, um senhor de ar composto, distinto no trajar, com
fato e gravata sempre, era o Pedro Homem de Melo. Diziam que era gay e que
tinha um filho chamado Salvador. Nunca o confirmei e que importava isso se só conversas,
o convívio e a tertúlia interessava!? Cá por mim nunca fui alvo do seu assédio,
nem nunca me apercebi que assediasse fosse quem fosse. Tinha uma tara, isso
tinha. Engraxava os sapatos tantas quantas as vezes que entrasse no Diu. O rapaz
que por ali andava com o caixote de mesa em mesa à procura de quem quisesse
engraxar, logo que o via entrar ia a correr ao seu encontro e mais outra
engraxadela ainda que o tivesse feito 5 minutos antes. Eram assim os meus dias
felizes passados na cidade, repartidos entre o Café e a residência, entre os
cinemas e a faculdade. Mas dia, quando escrevia, desta vez num exame a
decorrer, fui subitamente interrompido por um funcionário da Universidade comunicando-me
que terminasse rápido o exame, findo o qual deveria telefonar ao oficial de dia
do RI 13, em Vila Real, para me inteirar dos pormenores, dado que, estando
mobilizado para Angola, deveria estar no dia seguinte na Escola Prática, em
Mafra... Mundo que eu pensava ser meu ruiu ali em segundos, em frangalhos como
destroços que ficam passada a tempestade! Que tão pouco somos nesta vida vivida
com o desenho feito a gosto, que um pequenino traço, nele traçado por mão
alheia, num ápice, lhe muda logo e tão profundamente a feição. Sinto-me como
objeto inerte que, sem serventia já, é lançado ao lixo por tão incómodo e já
inútil. Sou, garantidamente, a acha atirada por mão invisível à secura do matagal
atiçando um fogo que, alastrando, irá queimar, destruir, horrorizar, matar. Em
1961, cheguei a Luanda, integrado na Companhia de Caçadores 135, do Batalhão
132. Em desfile ao longo da avenida marginal, somos recebidos com palmas por um
montão de gente branca, que a enche e que em nós só vê a salvação como côbro da
barbárie que grassou e continua nas roças e fazendas do norte daquela, então
província, segundo relatos pungentes de fazendeiros fugidos chegados à capital.
Com alguns dias em instalações improvisadas em Luanda, todos os oficiais do
Batalhão são chamados ao quartel general onde pessoal atarefado parece
afadigar-se com as informações e operações em curso. Reunidos, ali nos foi
dito, taxativamente: vós que ides partir para o norte, escrevam, escrevam e
informem-nos do que se passa por ser tão
pouco o que sabemos de tão escassas as informações que nos chegam. Parti e
escrevi. Escrevi a dor que não queria com o amargor do que nunca pensei ser
capaz. Escrevia, dia a dia, num caderninho de linhas simples, sem a ajuda de
minha mãe mas, com o pensamento nela, adivinhando o quanto sofreria e sofria
muito como muitas mães que, então, sofriam Registei no papel os lamentos
daqueles que ali sofriam também, os gritos desesperados que ouvi, as súplicas
de quem padeceu e padecia ainda. Serviçais negros, acordaram um dia de catanas
afiadas, martirizaram os patrões, violaram as mulheres, dizimaram os filhos. Os
corpos mutilados, profanados espalhavam-se pelo terreiro, deixados
propositadamente para causar terror. Terroristas que ainda ontem haviam
brincado, sorrindo àquelas crianças. Terroristas que ainda ontem embalaram
aqueles bebés ou, ao colo os adormeceram. Terroristas sim, mil vezes
terroristas, terroristas que depois munidos com as catanas e canhangulos nos esperavam
escondidas ao lado dos trilhos por onde apeados seguíamos ou, camuflados nos
caminhos de terra batida nos aguardavam, cavando no chão valas tapadas de
arbustos e ramos que engoliam os jeeps morrendo os que neles seguiam e, assim
se apoderarem das suas amas, cunhetes e munições. Com elas, depois, montavam
emboscadas, atacavam de dia ou de noite em locais para nós tão estranhos e para
eles bem conhecidos. Sobre isso tudo, ia escrevendo, escrevendo tudo mas, nunca
consegui encontrar que traduzissem com rigor aquele pressentimento da morte
possível ao atravessar a mata densa; o suplício sufocante que nos acompanha ao
longo da picada protegida de capim alto de um lado e do outro; a aflição que
fere na expetativa da suposta emboscada e da sorte que se espera nos tiros que
se ouvem dirigidos a nós, provindos do nada; aquele calafrio que queima quando
seguimos envoltos no silêncio da noite por
caminho ignorado, sem fim e sem destino e o silvar do vento nas copas do
arvoredo mais parece ronco de Adamastor. Salvo de uma guerra que não esqueço,
ingresso na Guarda Fiscal de quem serei servo até que morra de ignomínia,
esquecida, desprezada e, por culpa de muitos que, julgando servi-la a
espezinharam sem saber. Como serviçal que sou, obediente, cumpridor e atento, dela
vou cuidar com desvelo devotado, redobrando os cuidados quando, já enferma,
deles mais vai precisar. Nela fui quase tudo e não fui nada. Nela muito
escrevi, escrevi muito e de nada valeu a pena. Relatórios, informações, notas e
ofícios, pareceres, despachos, propostas, de procedimento, juízos de valor e de
nada valeu a pena. Benquisto e desprezado, fui louvado e punido, fui professor
e aluno, elevado aos píncaros da fama, vertido nas ruas da amargura, subalterno
e comandante, fui julgado e absolvido, inocente e culpado. Fui quase tudo. ...
e não fui nada!
Exmas
Senhoras
Exmos
Coronéis
Exmos
Ten Coronéis
Senhores
Capitães,
Tenentes
e Alferes
Amigos
e Camaradas
O meu último
escrito oficial data dos princípios de 1993, quando redigi uma crónica
destinada à Resenha Histórica do Anuário para 1992 do Bat .1, a qual foi
proscrita pelo coronel comandante de Batalhão ou, quiçá, concordante com um
brigadeiro, comandante da Guarda Fiscal pelo medo que tal escrito pudesse
abalar potencial lugar de conforto reservado ao coronel ou, à eventual
alienação do poiso já criado para o brigadeiro, no que resultasse da
reorganização que já se adivinhava. Tal crónica nunca foi publicada nem lida,
apenas, por mim guardada como relíquia. Dividida em 3 capítulos, só os 2 primeiros
continham o motivo da proibição, já que o terceiro só alude ao publicado em
Diários da República. É aquela parte, pois, que vos vou ler, submetendo- à
vossa censura. Se acaso, entenderem, que o texto é mal educado, ofende a moral,
incita à revolta, viola a lei ou, ataca a hierarquia, peço-os o favor, então,
de o não escutar!
A EXTINÇÃO DA GUARDA FISCAL
1. Introdução
O ano de 1992
ficará decerto na Hist6ria e, mau grado nosso, corno o da "Morte
Anunciada" da Guarda Fiscal. A Corporação vetusta, já não possuía força
anímica indispensável para vencer os escolhos que nascem, se criam ou moldam
com o decorrer do tempo. Tal como a máquina sem manutenção acaba por ceder,
também a GF vai sucumbir, naturalmente, por falta de sopros vitais que não teve
quando se impunham (e deles necessitava) ou, vá Iá, se porventura fracos, foram
com certeza sem perícia ou, sobremaneira inadequados. As Forças Armadas e por
arrastamento as Forças de Segurança estão subordinadas ao Poder Político.
Entendeu o Governo por razões que lhe assiste, extinguir a Guarda Fiscal e
integrá-la na GNR na sequência da reestruturação das Forças de Segurança
preconizada desde há algum tempo já. Não nos compete, nem nos cumpre discutir
intenção governamental, mas nada nos impede de manifestar a surpresa de tal
decisão e interrogarmo-nos do seu porquê. Ignoramos os motivos que levaram ao
intento e, por isso, baseamo-nos nas declarações pÚb1icas, quer do Ministro da Administração Interna, quer do 1.º Ministro sobre tal matéria, para
fazer uma ligeira análise do facto. 0 1.º Ministro afirmou que seria irracional
manter a GF e o Ministro do MAI que, com a integração de Portugal na Comunidade
Europeia atenuaram-se as tarefas até então atribuídas à GF e, ainda, estar
afeta à Direção Geral das Alfândegas e à Direção Geral de Contribuições e
Impostos, o controlo do IVA. Com efeito, não podemos acreditar que estes
motivos sejam a razão fundamental da já citada decisão do Governo. Ressaltam imprecisões
para as quais não encontramos uma razão plausível. Primeiro, por considerarmos
incompatível a missão da GF com a da GNR. A GF é, essencialmente, uma Polícia
Fiscal com o contorno nítido de preservar e fortalecer a Fazenda Nacional e a
GNR uma Força de manutenção da ordem pÚb1ica, tal como a PSP. Tanto que assim
é, levou a que o Ministro do MAI determinasse, no âmbito da reestruturação
manter a GNR em determinados locais em detrimento da PSP e vice-versa, o que
demonstra claramente que aquelas duas Forças se substituem, das quais fica
arredada a CF. Segundo, por não se entender que sendo essencial a afetação do
IVA à DGA e DGCI estas o possam efetuar no terreno sem que as acompanhe uma
Força de Segurança que, por razões óbvias ser a GF a escolhida. Por outro lado
a GF é ainda solicitada por outras Instituições para uma colaboração que tem
sido profícua com resultados significativos e altamente reconhecidos e a sua
extinção não dispensará igual apoio por outra qualquer Força. Vamos então
admitir a existência de uma estrutura disforme, pesada da Corporação não
consentânea face ao novo figurino Europeu. Eis-nos pois, chegados ao cerne da
questão. De facto, as regras comunitárias configuram o arquétipo mais
aligeirado, firme e profissional da GF. Todos o reconhecemos necessário, como
necessária e imperiosa se conjeturava uma reestruturação cabal. Uma
reestruturação que definisse novas regras, estabelecesse tarefas refundidas dos
apoios prestados, cumprisse a missão traçada para prestígio e bem da Nação. Extinção
não. Não porque não se justifica. Não, pelo muito e, principalmente, pelo
respeito devido a muitos que contribuíram para a dignificação da pátria e, até
do Governo. Mas... assim o entendeu o Governo.
Resta-nos, pois, em jeito de súplica, orar o hino da Morte Anunciada!
2. Hino da Morte
Anunciada
Ao longo dos seus
107 anos de existência, a GF na salvaguarda dos interesses Nacionais, majestosa
e aprumadamente serviu a Monarquia e... com idêntica postura, ardor e afinco o
faz na República. Outrossim, isenta de sectarismos, labuta para a missão que
sempre cumpre na Ditadura e... com a mesma firmeza e humildade, repete-se na
Democracia. E a tudo resistiu...
Ao longo dos seus 107 anos de existência, a GF
albergou no seio Homens de arrebitada têmpera que a serviram com honra e
dignidade, paladinos do lema gravado no carácter de "vale mais quebrar que
torcer" homens de índole exacerbada que dela se serviram com mesquinhez e
subserviência, arrogantes e fúteis, energúmenos devotados às fáceis seduções. E
a tudo resistiu...
Ao longo dos seus 107 anos de existência, a GF
foi sujeita a mú1tiplos dispositivos, a diversas implantações e a serviços
variados e... no entanto, ao calor e ao frio, com ou sem aconchego, com muitos
ou com poucos, bem ou mal instalada, nunca deixou de trilhar com afã, o
percurso que lhe estava traçado e jamais deixou de ser quem era. a tudo
resistiu...
Ao longo dos seus 107 anos de existência, a GF
calcorreou montes e vales, encharcou-se à chuva, secou-se ao vento, banhou-se
em praias, estorricando-se ao sol. Perseguiu presas em terras de ninguém,
gelou-se, postada em silêncio, nas caladas da noite espiando vilões até ao
romper da madrugada. Molestou salteadores de arcas empacotadas e, apalpou até,
o reino cruel, sinistro e pungente das ilusões viciadas. Mas houve também, os
rastejantes da sombra, trapaceiros do luar, ímpios de pacotilha tresmalhados em
logros de miragem, molhados na lama e secos de moral, banhados de perfídia e
torrados na vergonha. São os vendilhões do Templo, Judas atraiçoando o Senhor.
E a tudo resistiu...
Ao longo dos seus 107 anos de existência, a GF
estrela vigilante de infrações a cometer e lenitivo de peste fraudulenta que
grassa e corrói o País, arrecadou bens para o bem do erário público e repôs o
lícito em labirintos de astúcia. Exaltada por feitos conseguidos, encimou
colunas de jornais e, adejando no éter, constou na TV. De mãos dadas, afoita e
fraternal, colaborou com Instituições Nacionais em multifacetados ilícitos e,
transpondo a raia, igualmente o fez com congéneres estrangeiras. E... no
entanto, por inveja ou malquerença, ódio ou presunção de incautos,
desprevenidos e ignorantes foi, simultaneamente, criticada, amesquinhada,
vilipendiada, abandonada.
E a tudo resistiu...
Com efeito...
Ao longo dos seus 107 anos de existência a GF
a tudo ia resistindo, por embalada nas ledas fantasias reais, disfarças em
folhetins de labor
... Ao longo dos seus 107 anos de existência,
a GF a tudo ia resistindo, por amalgamada de humildades descabidas e balofas
presunções, ter refletido imagens de servidão não servindo de nada.
... Ao longo dos seus 107 anos de existência,
a GF a tudo ia resistindo, por trespassada de gente que passa, repassa e torna
a passar em simbiose de quimera, ideias refreadas, ódios à mistura e soluções apresentadas
sem qualquer representação.
... Ao longo dos seus 107 anos de existência,
a GF a tudo ia resistindo, por adormecida na doce acalmia da brisa suave
pressagiada em vento de mudança.
... Ao longo dos seus 107 anos de existência,
a GF a tudo ia resistindo, por não bastar, tão só o uniforme azul cinzento aos
brados ressonantes no azul celeste: PELA PÁTRIA E PELA LEI.
E... não resistiu...
Acabei de ler o que estava escrito e reprovado
que foi por quem nada percebia de Guarda Fiscal. O que deveria ter escrito,
isso sim, era a denúncia da mesquinha inveja sentida por esse execrando
ministro de nome Manuel Joaquim Dias Loureiro ao aperceber-se do risco latente
que o ameaçava pelo afeto que o patrão Cavaco Silva lhe votava e que, agora,
implacável se desviava para o colega de governo Fernando Nogueira, muito bem
conceituado pelo êxito estrondoso que obteve na limpeza dos coronéis. Nos seus
malfadados pensamentos, Dias Loureiro deveria ter meditado que para se
reabilitar, reconquistando a estima de seu amo, seria fazer o mesmo, isto é, a
reestruturação nas Forças de Segurança, as quais sob seu mando, seria fácil de
cometer. No princípio hesitou muito se, acabar com a PSP ou a GNR mas, depressa
se convenceu do rumo a seguir, já que, para quem como ele, tão manhoso e
servil, a bajulice é trunfo a considerar. A PSP daquele tempo sei, era exímia
em esconder a sua inépcia, transformando a incompetência em pompa para inglês
ver. Entrosada nos corredores do poder que bem sabia seduzir com manobras de
diversão, simples lhe seria conquistar a simpatia de quem manda. Não seria,
pois, Força a abater. A GNR, refeita do amargor e má reputação, trazidos pelo
acolhimento de Marcelo Caetano e recomposta das bordoadas na frontaria do seu
quartel principal como castigo da desobediência a Salgueiro Maia, torna-se cada
vez mais precisa. dada a sua implantação no terreno, para suprir mazelas e
impor ordem neste país desaustinado. Depois e, como importante, é ter
sentinelas na Presidência, guardar costas a entidades e fazer segurança a moradias
de ministros mesmo que tenham cães. Além disso tem charanga a cavalo, ainda
outros cavalos esbeltos, cavalos em quartéis recolhidos onde fazem estrume.
Estrume para terras de quem o pede. Também eu o recebo que, pessoal indicado me
traz em carrinhas quase cheias e que, ele próprio descarrega, sem gasto meu de
um cêntimo sequer. Era, então, convicção minha que não seria Força que acabaria
e, ainda bem que não acabe. por causa do estrume! Só nesta altura, o ministro
já convencido do que quer, se lembra da Guarda Fiscal que, sacudida das
Finanças, por ele é recebida de mão beijada, e mal conhece e nunca ou pouco
dela ouviu falar. Sem proteção e ninguém que a defenda, tem a agravante de não
ter passado de esplendor aos olhos de quem decide e bem por culpa de quem a
comandou. Comandantes Gerais que optaram sempre por mera Guarda tranquila,
apagada e amorfa, porque aprendendo, tão só, artes de guerra, temiam uma
dinâmica e vivacidade maiores implicando mais obediência à doutrina específica,
eles que a ignoravam, nunca saberiam gerir. Eis, pois, a Força a abater.
Todavia, como desistir é próprio dos fracos e a esperança é a última a morrer,
haverá que lutar, tanto mais que nestas questões de política, o conhecimento, o
favor e compadrio são fatores a considerar que, com toda a facilidade, são
capazes de virar o bico ao prego. É chegada a altura de eu e o Vitória criamos
a primeira PPP. Parceria, porque nós ambos; Público, porque queríamos que o intento
chegasse a público e, Privado, porque não importava saber quem os autores. Sem
demora, arrancámos em direção ao jornal "0 Independente", sendo
recebidos, cortesmente, pela sua Diretora Helena Sanches Osório que sabedora ao
que íamos logo anuiu e nos encaminhou a um jornalista que se encarregaria do
artigo onde se vincasse o descontentamento e revolta dos oficiais pela
insemina— gão a praticar. Só um senão da Diretora, artigo só seria publicado
satisfeita a ressalva deontológica própria do seu jornal em ter de obter o
contraditório, ouvindo o brigadeiro. Publicado em 3 de Março de 1993, em 4
colunas, é assinado por Pedro Guerra que assim o titulava: “ BRINCAR COM A
GUARDA - Mais de cem oficiais da Guarda Fiscal reuniram-se na passada semana em
Cascais. Contestam cada vez mais a sua integração na GNR e o facto de o seu comandante-geral
não “zelar" pelos interesses da Corporação. A coisa está feia".
Entendíamos não chegar que uma notícia de jornal surtisse o efeito por nós
desejado e valendo-se dos conhecimentos partidários, em especial do Gamboa
Marques e do seu PS do coração, falou-se ao deputado Jorge Lacão para zurzir no
Parlamento quanto ao descalabro da extinção da Guarda centenária que ele bem
compreendeu, aprovou e assim o fez e só quem não quis ou pôde o não ouviu em
telejornais da TV. Mas... isto de atrair gente influente para causa própria,
era experiência vinda do antecedente cujo ensaio havíamos tido no pós 25 de
Abril. Saneado o Gen. Mário Silva, Comandante-Geral e passando à reforma o
então 2.º Cmdt Geral, Coronel Patrício Calado, ficou a comandar interinamente a
GF o Cor. Custódio Nunes, homem experiente e dela conhecedor que há muito a
servia. Receando nós que nos colocassem qualquer oficial general inconveniente
ou de gancho para comandante, víamos naquele coronel a pessoa indicada para o
cargo, desde que fosse promovido como condição necessária para tal. Ora, entram
em campo o Gamboa e o Vitória, ativistas sempre atentos que me empurram para ir
falar ao General Loureiro dos Santos, então Vice-Chefe do Estado Maior General
das Forças Armadas como pessoa capaz de poder acelerar a promoção do coronel
Mas porquê eu, pião das nicas, e não eles? Apenas pela pura casualidade do Gen
Loureiro dos Santos ser filho do cabo da GNR que comandou o posto de Vila Pouca
de Aguiar, o concelho da residência de meus pais e que meu pai bem conhecia
pelos contactos que com ele tivera por via dos negócios que exercia e manter
boas relações com a autoridade local é ato de bom senso e cortesia. Poderia
ser, quem sabe? que o rapazito que por ali andou, agora general, movido pelo
conhecimento da estima entre os nossos familiares o comovesse a tudo largar de
imediato e, e por instinto, logo providenciasse à promoção! Lá fui e embora na
altura, a cotação de capitão fosse superior à de general, ele ouviu-me
atencioso e prometendo conceder o óbolo que o pedinte sempre espera. O Coronel
cansado de esperar pela promoção nunca chegada, pediu passagem à reserva e
foi-se embora. Porém, a situação de que a Fiscal agora enferma, afigura-se
séria e bem mais grave a requerer tratamentos específico, medicação apropriada
cuidados paliativos que reputamos insuficientes quer pela notícia de um jornal,
quer pela oração expedita de deputado diligente. Queremos ainda mais, ir mais
longe, mais alto e mais além. Dada a circunstância de ter na altura, uma estimada
prima casada com o Vitor Ramalho conselheiro e amigo pessoal de Mário Soares,
ser seu assessor e assistente na Presidência, era parentesco ideal que tudo
poderia alterar. E logo o utilizo com o apoio e incentivo, uma vez mais, do
Gamboa e do Vitória que me pressionam e me apressam para a diligência que
apraz. Telefono-lhe e peço-lhe que motive o Presidente a não promulgar o
Decreto prestes a Iá chegar, pela incongruência que se há-de verificar,
acarretada pele extinção de uma Guarda a ser noutra integrada. Não é com
surpresa que dias volvidos recebo o telefonema de volta em que me informa não
estar o Presidente em condições para desagradar, levantando conflitos com o 1.º
Ministro Cavaco Silva, pelo que, ainda que contrafeito, iria promulgar o
diploma. 0 26 de Junho de 1993, é sábado Logo num sábado quando se goza o lazer
de um fim de semana tão esperado... Logo num sábado quando mais se está
arredado das preocupações provoca das pelo dia a dia do trabalho rotineiro...
Logo num sábado quando o pensamento se liberta, a distração é maior e maior o
relaxamento... .Logo num sábado quando a bonomia
mais ressalta nas pessoas por mais desprevenidas e descansadas... Logo num
sábado é que se aproveita, corno a medo e à traição, para se publicar no Diário
de República, o Decreto-Lei 230/93 que extingue a Guarda Fiscal. Acabou-se. Já
de nada vale escrever e, se o fizer doravante, só para criticar, maldizer,
denegrir, contrapor e por mais que procure não encontro verbo de tema em “ur”.
Se existisse, aqui o estamparia também para que, não só com as vogais todas mas
também, com todas as letras pudesse traduzir o desprezo e raiva que senti. Sou,
deveras, um perdedor... perdedor em toda a linha. Perdi em tudo... tudo em que
me meti. Ignorado por general que a pedido feito, não logrei; desprezado por
brigadeiro que em nada acreditou e a tudo se opôs, magoado com o parlamento que
nem votou, nem maioria conseguiu a aprovar proposta de parlamentar; revoltado
por um artigo de jornal não conseguir convencer um povo à greve, tão pouco a
qualquer manifestação; chocado com um primo afim, por incapaz de conseguir o
veto presidencial; desolado com o presidente por promulgar o que não devia.
Sou, deveras um perdedor em toda a linha. Perdi em tudo. Em udo em que me meti.
Ignorado, desprezado, magoado, revoltado, chocado e desolado, só me resta o
desterro como castigo do que perdi. Foi aqui, neste Alentejo, neste Alentejo
meu de outrora, onde se não apagaram as lembranças do que vivi. Neste Alentejo
encontrei refúgio e onde me escondi, abandonando tudo aquilo e os outros... Sim
os outros todos que Iá ficaram. Ossadas da Guarda Fiscal... serão em breve
triturados e transformados em farinha, farinha misturada, farinha do mesmo
saco. Aqui estou, convertido em agricultor a brincar, agricultor brincando mal
distinguindo o ancinho de um arado que, com o estrume que dão, estrume de
cavalo, o lanço à terra na terra que trabalho à jorna e diversão onde manhã ao
sol pôr. Lanço as sementes à terra e, até parece milagre, nascem coentros,
salsa, os nabos e as nabiças. E que feliz aparento ser! Às vezes... e, sou
muitas vezes enganado, o grelo parece arrebitar e por mais que eu me esforce,
já não arrebita mais. Porém, o meu maior azar é com a cenoura... bem a rego e
bem tento e, por mais que amacie a terra, nasce sempre torta, recurvada e não a
consigo endireitar. Ponho-me a cismar cá comigo por tão má sorte e, sem
encontrar explicação, interrogo-me se a culpa será da terra ou de mim já sem
jeito. Na altura própria, planto a cebola, os alhos, o pimentão e os tomateiros
e, chegado o verão, que delícia... exponho os tomates ao sol... e que feliz
aparento ser: Depressa avermelham, já que o tomate quer sol pela cabeça e água
pela raiz e, todo o cuidado é pouco, e preciso cobri-los que este sol
abrasador, descarado e sem vergonha, os queima, queima mesmo. E que regalo
colher da árvore, a laranja cheiinha de vitamina, a melhor vacina precavendo da
gripe que os frios de inverno sempre causam ou, colher o cacho de uvas
douradas, tirado à videira tão viçosa em pleno verão. E que feliz aparento ser!
Depois, hei-de colher outra fruta de árvores que já plantei, magnórios da
nespereira, alperces do damasqueiro, as peras da pereira e maçãs da macieira.
Só não colho peros que, pereiro não existe e ninguém conhece para que se não
diga que peros não são maçãs ou, que peros são peros e maçãs são maçãs ou, as
maçãs não são peros, já que os peros são maçãs. E as discussões mantinham-se
acesas e acaloradas sobre a origem do pero, na messe de Alcântara à hora do
almoço quando, um simples copo de leite era almoço empanzinado do Vitória.
Almoços, pois claro! Não é só trabalho de campo. Todas as semanas em nossa
casa, eu e minha mulher, temos refeição requintada com os filhos , netos e
neta. É o prazer do convívio com a família reunida. E que feliz eu sou, sem ter
de o aparentar! Almoço foi também, este nosso de hoje, dia 17 de março. Se
recuássemos, pelo menos, 27 anos, a esta hora, provavelmente, já teríamos
assistido ao desfile das forças em parada, na Praça do Geraldo e ouvido o
discurso inflamado do comandante apregoando aos ouvintes, lérias para enfeite
do Dia do Batalhão. Loas que, uma assistência não muito numerosa, ouvia em
silêncio com acenos de cabeça, às vezes, como que a convencer que estava
convencida de tudo quanto ouvia. E o comandante, com a mesma toada, continuava
no seu longo desfiar: 369 apreensões, no valor de 427 milhões, 253 mil e 019
escudos, correspondentes a 15 vacas tresmalhadas por doença e provindas de Espanha, em Tagarrais, Secção de Arronches; 28.800
cigarros com filtro da marca Marlboro e a boiar no mar a meia légua de Meia
Légua da Secção de Olhão e 54 pares de sutiãs XXII, contrafeitos com a etiqueta
da "Intimissimi" que ciganos vendiam no mercado de Tavira e
destinados a senhoras de S' s grandes. Discurso acabado e mais ou menos coisa,
entidades e convidados rumavam para um almoço, almoço nunca feito nesta Casa do
Povo de Canaviais. Edifício, ao que parece, construído em 1911 por um grupo de
agricultores agrícolas destinado a escola de seus filhos. Com o rodar do tempo
e integrado no Estado, passou a designar-se Casa do Povo de Évora com objetivos
de caráter cultural, social, desportivo e recreativo que, ainda hoje se mantêm
no seu estatuto e, pouco tempo depois assumiu o nome da freguesia onde se
implanta: Canaviais. Em 2007, uma senhora acabada de aposentar e, aqui
presente, não querendo ficar em casa a tratar dos filhos e a coser as meias do
marido e, porque os filhos já crescidos não requerendo cuidados especiais e o
marido as não tivesse e, mais pela força do seu irrequieto dinamismo,
candidata-se à presidência da Casa do Povo com dois fins a atingir: estancar a
enorme dívida que gerências anteriores a haviam mergulhado e gerar fundos
destinados a melhorias que o edifício tanto carecia. Findos os 4 mandatos e
conseguido com satisfação ao que se propôs, transita a presidência para a
atual. Outra senhora, dotada de igual vivacidade que, prosseguindo o mesmo
trilho, tem conseguido que se colham efeitos desse tão grande esforço. aqui que
se realizam em janeiro, concursos para o melhor vinho, sopa, doce, licor e
compota, artigos regionais avaliados por júri profissional e independente. Como
naturalmente observaram, letras garrafais ocuparam parte da 1.ª página do
"Diário do Sul", noticiando que a sopa de mogango com feijão catarino
"arrasou, avassaladoramente este ano as restantes 22 sopas em prova. A
executora desse caldo, aqui presente, recebeu ainda o 3.º prémio, em compotas,
com uma mamelada feita a preceito que, pelo que foi dito no recinto, tinha
macieza mais delicada que a do 2.º prémio, a qual, também sendo marmelada,
seria feita mais apressada e atabalhoadamente, sem a ternura requerida. O
creme, na categoria de Doces, ao qual já havia aludido em palestra de anterior
Encontro e, com que habitualmente concorro, este ano foi ignorado pelo júri,
facto que bastante me surpreendeu por ser feito de experiência acumulada de
outros tantos com honras de classificação do 3.º. prémio, ao 2.º e, até mesmo
do 1.º. Este, feito pelas mesmas mãos, no mesmo tacho, ingredientes na
validade, igual número de rotações com a colher de pau e, com aquela espessura
tão próxima do ponto de rebuçado, sabor e deleite tão característico da
mexidela compassada e com a técnica de quem a sabe fazer, não mereceria, por
isso, desprezo tal. Paciência: Esta Casa do Povo, não é hotel, nem hostel, nem
pensão ou casa de pasto, de comes e bebes, taverna ou tasca, é, por decreto uma
IPSS Instituição privada que sobrevive à custa de cotas de sócios, nos quais me
incluo, maioritário e em dia, de subsídios pagos pela Segurança Social em
função das crianças que frequentam o espaço do ATL e, principalmente, pelos
vários eventos patrocinados ao longo do ano. O nosso Almoço é um exemplo, tais
como outras refeições só confecionadas, a pedido e exclusivamente. Por causa
disso, pedia autorização para em nome agradecer, pela prestação empenhada,
zelosa e sempre atenta da presidente da Casa do Povo, Ana Maria Pedrosa, bem
como a este punhado de gente, pela colaboração que prestou e que aqui veio,
graciosamente, para ambientar e nos servir com a e cortesia de profissionais
que o não são. A todos vós, muito obrigado. Depois e, ainda que pareça mal,
deixai-me igualmente agradecer a ti, Isaura Maria que, ainda tendo a Casa do
Povo no coração, aqui foste, a organizadora, mola e motor do nosso Encontro
tanto aqui, como acolá, ali e além a que não se escapa a cerim6nia religiosa.
Muito obrigado. Também o desejava fazer à Maria Emília -Milita Costa- pela
disponibilidade e prontidão a executar pormenores, pela ideia oportuna sempre,
sempre preocupada para que o Encontro seja o melhor de sempre. Muito obrigado.
A ti, Vitória, pelo apetite às sopas do Alentejo, pelo prazer de nos encontrar,
pela amizade inequívoca por todos sentida, pelo carisma entranhado que em ti
reside e de só tu seres capaz de, pelo estímulo, reunir tão grande número de
presentes. Muito obrigado.
Aos presentes... pela vossa presença, pela
satisfação de todos nós podermos, assim, saudar, falar, confraternizar e
recordar. Sem vós, claro, não haveria Encontro. Muito obrigado, Não escrevi
mais, consequentemente, nada mais saberei dizer, a não ser... o que de bem a
todos vos desejo.
Muito Obrigado
DISSE
Augusto
Ribeiro Pinto
Ten
Cor. (Ref)