REFLEXOS DA PNEUMONIA ATÍPICA
Os profissionais de saúde estão na primeira
linha do atendimento, logo do risco, com a agravante, para a saúde de todos, de
que no caso de suspeita de contágio, não se tomando as medidas necessárias de
isolamento respiratório, pode ser imperioso colocar toda a Unidade Hospitalar
de quarentena.
Esmeraldo
Alfarroba[1]
Apesar de todo o mediatismo a que assistimos, não é o
primeiro flagelo, nem será o único, muito menos o mais devastador que, neste
momento, afecta a Humanidade.
Nunca, tão rapidamente, o receio de uma endemia se
reflectiu no nosso quotidiano, através do conhecimento veloz e sem limites,
possibilitado pela facilidade do acesso às novas tecnologias da informação.
Os arautos deixaram de ser alguns, mais avisados,
académicos ou viajados, sendo a informação um direito de todos, introduzida por
quem tem acesso às fontes, difundindo, por vezes de uma forma menor, o
sensacional.
Na nossa frente, é possível ver, quase sentir, o
sofrimento, o desgaste, a morte do nosso semelhante na China, no Vietname, em
Hong Kong, Toronto, Singapura ou Taiwan.
Preocupa-nos saber que neste caso, o perigo, o
"inimigo", é aparentemente um novo vírus, do grupo dos coronavírus,
com mutações permanentes, facilmente transmitido por via aérea e com um período
de incubação de 2 a 7, até 10 dias.
Clinicamente surge "camuflado" como qualquer
síndroma gripal - febre elevada (superior a 38º C), calafrios, mialgias,
cefaleias e mal estar geral.
Pouco tempo depois os sintomas respiratórios (tosse seca e
dispneia), acompanhados de progressiva hipoxemia cerca de 10 a 20% dos casos
exigindo ventilação mecânica.
A teleradiografia de tórax inicial pode ser normal,
podendo evoluir para infiltrados intersticiais, os quais de focais progridem
para mais generalizados.
As análises clinicas revelam, no início, contagem
leucocitária normal ou já diminuída, depois a leucopenia com neutropenia e a
trombocitopenia são frequentes.
As transaminases hepáticas sobem, o mesmo sucedendo à
creatininofosfoquinase (CPK).
A função renal é normal. O curso natural da doença é mais
severo, como esperado, nos idosos, diabéticos e doentes imunodeprimidos.
Tem, portanto, tudo o que já sabemos ser usual nas
Pneumonias Atípicas provocadas por exemplo por Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia pneumoniae, Legionella
pneumophila, Coxiella bumetti ou vírus, não esquecendo os agentes potenciais de
Bioterrorismo, tais como a Francisella tularensis, Bacillus antracis ou
Yersjnia pestis.
Distinguem-se de
outras pneumonias da comunidade, as clássicas, designadas por típicas, de etiologia
bacteriana, que surgem com febre, tosse e expectoração produtiva, condensação
bem delimitada, podendo afectar um lobo pulmonar.
Em termos laboratoriais verifica-se leucocitose com neutrofilia
e habitualmente boa resposta terapêutica antibiótica.
Como agentes habituais, o Steptococcus pneumoniae (Pneumo cocos),
Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Haemophilus influenzae, ente
outros.
Voltando ao nosso tema, a Pneumonia que foi anunciada ao
Mundo pelas autoridades chinesas. (com atraso), em Fevereiro deste ano, foi
designada na língua inglesa por Severe Acute Respiratory Syndrome (SARS).
O diagnóstico de certeza é possível, após ser conhecido o
genoma do vírus há um mês atrás, através de um teste de Polymerase Chain
Reaction (PCR).
Logo no nome fica bem expressa a gravidade da Insuficiência
Respiratória, que se traduz por ser uma situação clinica com elevada
mortalidade, necessitando de meios hospitalares de suporte muito diferenciados.
As baixas são actualizadas diariamente pela Organização
Mundial de Saúde, correspondendo a cerca de 6% dos infectados.
Porém, outro tipo de “baixas” foi também já referenciado:
- por omissão
atempada da verdade dos factos, foram demitidos altos responsáveis pela Saúde
na China, algo que seria, aliás, impensável neste tipo de regime;
-
entre nós, foi demitido um responsável perante afirmações polémicas na comunicação
social.
Actualmente, no meio civil, há
um Plano e Intervenção em que tudo está regrado, iniciando-se com linhas de
contacto que permitem o acesso de alguém suspeito: doente proveniente de áreas
afectadas ou que teve contactos próximos com pessoas doentes dessas mesmas áreas.
Os Hospitais para onde serão dirigidos estão referenciados
e foram seleccionados por disporem de condições adequadas, nomeadamente quartos
de pressão negativa.
Estes cuidados são fundamentais, pois não esqueçamos que
uma das primeiras mortes registadas foi a do médico que contactou com os
primeiros casos.
Os profissionais de saúde estão na primeira linha do
atendimento, logo do risco, com a agravante, para a saúde de todos, de que no
caso de suspeita de contágio, não se tomando as medidas necessárias de
isolamento respiratório, pode ser imperioso colocar toda a Unidade Hospitalar
de quarentena.
Orgulha-nos que, nas estruturas de Saúde Militar,
construídas com o apoio da Engenharia Militar, já dispomos de duas áreas de
pressão negativa.
Uma é constituída por uma Unidade de Cuidados Intensivos com
5 camas, 2 quartos de 2 camas e uma sala de técnicas broncológicas e outra
constituída por 5 quartos de 2 camas e 1 sala de administração de terapêutica a
doentes imunodeprimidos.
A primeira foi preparada a pensar nas Tuberculoses multiresistentes.
A segunda foi já influenciada pelo virar de página mundial
ocorrido no dia 11 de Setembro de 2001.
Tal como foi prontamente noticiado, o primeiro caso
suspeito em Portugal foi ai internado com todas as condições de segurança e
proteção para os profissionais de saúde.
Para além do isolamento de casos de Infecciologia, na
prática clinica diária estas áreas são uma reserva para utilização numa
situação de Bioterrorismo.
Inserem-se quer na cadeia de evacuação dos meios de saúde
militares, quer colaborando com a proteção civil a nível nacional.
Felizmente que, até esta data não se verificou nenhum caso
de Síndroma Respiratório Agudo (SRA) em Portugal, tal como não se comprovou
nenhum caso de antraz há cerca de dois anos.
Todo o cuidado posto pelos organismos oficiais no
planeamento da resposta a estas situações não foi nem será em vão, porque tal
como um laborioso exercício simulado, estamos convictos que os ensinamentos
registados são a melhor preparação para controlar qualquer situação futura que
possa surgir.
No meio militar, conjugando as infraestruturas descritas
com a excelência de Laboratórios de Microbiologia e Imunologia, também não
descurados, podemos confiar nos meios de que dispomos, prosseguindo com
dedicação, criatividade e determinação as modelares reformas visíveis nos
Hospitais Militares operadas no virar do milénio.
Revista
Portuguesa de Saúde Militar, Ano IV, nº. 1
2003